Olá, substackers!
Primeiramente, feliz 2025! Desejo que tenham um ano cheio de saúde, boas realizações e, óbvio, boas leituras (por aqui no Substack e por aí afora).
E por falar em leitura, ontem mesmo, dia 01/01/2025, comecei a primeira leitura do ano. Na verdade, uma releitura: “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera. Li esse livro pela primeira vez em 2023, durante uma fase muito difícil: no início de março de 2023, minha gatinha Edith ficou gravemente doente do intestino. Eu a levei a uma das melhores clínicas especializadas em gato da cidade e começamos uma verdadeira saga para tentar descobrir o que ela tinha. Diversos exames - de imagem e de sangue - foram feitos na tentativa de termos um diagnóstico, mas todos foram em vão. Paralelo a isso, tentamos os tratamentos que podíamos. Mas como não tínhamos um diagnóstico preciso, todos os tratamento não só não a ajudavam a melhorar, como ela estava piorando a olhos vistos. Depois de todos os exames possíveis, só nos restava uma última (e mais drástica) opção: uma cirurgia para fazer uma biopsia do intestino. Consultei uma terceira veterinária especializada em gatos (na clínica que frequentávamos, Edith era acompanhada por outras duas veterinárias), mostrei todos os exames e contei sobre tudo que já havíamos feito, e ela foi taxativa sobre a necessidade de fazer a biopsia. Com três opniões especializadas pró-biopsia e o fim do “cardápio” de opções de exames e tratamentos, entreguei minha Edith para essa cirurgia. Tudo apontava que essa era a escolha correta a se fazer. A cirurgia foi um sucesso, mas ela teve complicações pós-cirúrgicas e faleceu dois dias depois. Quinze dias depois disso, eu recebi o resultado da biopsia: ela tinha câncer. Talvez, para quem não tem (ou nunca teve) uma relação de profundo afeto com um bichinho, seja difícil me entender, mas tudo isso foi devastador para mim. Entrei num estado de profunda tristeza e numa espiral de “e se”? E se eu a tivesse levado em outra clínica? E se eu tivesse procurado mais alguma opção de tratamento? E se eu não tivesse autorizado a cirurgia? E se? E se? E se?
E o que “A insustentável leveza do ser” tem a ver com isso? O livro parte da ideia do eterno retorno de Nietzsche para, através da história que conta, fazer um contraponto e mostrar que, na verdade, cada situação de nossas vidas só é vivida uma vez e que, portanto, nunca teremos a oportunidade de saber como as coisas seriam se tivéssemos feito outras escolhas. Ou seja, conviveremos sempre com o peso das possibilidades relacionadas às escolhas que não fizemos. Na época, trechos desse livro funcionaram como um alento e uma fonte de respostas e clareza para todos os meus “e se”. E, por isso mesmo, ele entrou para minha lista de livros favoritos.
Então, depois de um tempo, especificamente um ano depois que Edith partiu, comecei a pensar que seria bom ler o livro novamente, em uma circunstância diferente, para tentar vê-lo de uma maneira também diferente e/ou extrair dele outras coisas. Mas, independente de como será minha visão ao final dessa segunda leitura, de uma coisa tenho certeza: continuarei com a opinião de que é um livro extraordinário, que sempre indicarei a todos!
Para que vocês tenham uma noção de tudo que falei até aqui, deixo a seguir o meu trecho preferido1:
Será melhor gritar e assim precipitar o próprio fim? Ou calar e barganhar uma agonia mais lenta?
Existirá resposta para essas perguntas?
E, de novo, veio-lhe à cabeça uma ideia que já co-nhecemos: A vida humana só acontece uma vez e não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou a má de-cisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos é dada uma segunda, uma terceira, uma quarta vida para que possamos comparar decisões diferentes.
Acontece na história como na vida do indivíduo. Os tchecos só têm uma história. Ela terminará um dia como a vida de Tomas, sem que seja possível repeti-la uma segunda vez.
Em 1618, a nobreza da Boêmia tomou coragem, decidiu defender suas liberdades religiosas e, furiosa contra o imperador sentado em seu trono vienense, jogou por uma janela do Hradcany dois de seus eminentes representantes. Foi assim que começou a Guerra dos Trinta Anos, que provocou a destruição quase total do povo tcheco. Os tchecos teriam então mais necessidade de prudência que de coragem? A resposta parece fácil, mas não é.
Trezentos e vinte anos mais tarde, em 1938, depois da Conferência de Munique, o mundo inteiro decidiu sacrificar o país dos tchecos a Hitler. Deveriam então ter lutado sozinhos contra um inimigo oito vezes superior em número? Ao contrário do que tinham feito em 1618, revelaram então mais prudência do que coragem. A capitulação deles marcou o começo da Segunda Guerra Mundial, que consolidou por muitos decênios ou por muitos séculos a perda definitiva de sua liberdade como nação. Teriam então mais necessidade de coragem que de prudência? O que deveriam ter feito?
Se a história tcheca pudesse se repetir, seria certamente interessante experimentar a cada vez a outra alternativa e em seguida comparar os dois resultados. Como essa experiência não pode ser feita, todos os raciocínios são apenas um jogo de hipóteses (A insustentável leveza do ser, págs. 240 e 241).
Vou ficando por aqui, reforçando que, se você ainda não leu “A insustentável leveza do ser”, coloque na sua listinha; você não vai se arrepender! Obrigada pela leitura e até a próxima edição (ou o próximo comentário).
Abraços,
Lu
PS: passei todo o mês de dezembro considerando encerrar essa newsletter. Em novembro, mudei de trabalho e estou precisando aprender novas coisas, o que está exigindo muita dedicação e muito tempo. Com isso, não tem me sobrado tempo e disposição para criar e escrever (e isso não é conversa de procrastinadora). Mas daí eu comecei a ler o livro tema desta edição, me bateu aquela vontade de escrever esse texto e ele saiu em alguns minutinhos. Então, decidi que essa news será mantida, mas eu realmente desisti de estabelecer formatos e periodicidades rígidas para ela. Ou seja, essa news seguirá, como desde sua origem, falando sobre temas relacionados à cultura, arte, literatura e viagens, mas de maneira beeemmm orgânica, ou seja, quando eu realmente tenha algo a dizer e isso aconteça de maneira fluida. A ver!
Talvez você compreenda melhor esse trecho sabendo que a história do livro se passa na Tchecoslováquia, no período da ditadura comunista. A propósito, ela faz uma boa mistura de ficção com fatos históricos reais.
Eu li a Insustentável Leveza do Ser no período em que a minha mãe começava sua jornada para tratar um câncer. Lembro de ler nas salas de espera de consultórios, clínicas e na poltrona do apartamento onde ela ficou internada por algum tempo. A questão é que não lembro de quase nada do livro. Meus olhos atravessavam as páginas sem tocá-las de fato. Quero reler. Obrigada por me lembrar dele!
Sabe que tenho pensado muito sobre a pressão produtiva que nos impomos até neste espaço criativo. Eu também não quero que fazer poemas seja um desgaste ou uma obrigação.
Que seja divertido para você que faz e para nós leitores!
Feliz ano!